Contos

A Criança Interior

Ela julgava-se forte, mas por dentro o seu coração chorava. Pensava que era uma guerreira, mas o seu coração tinha feridas abertas. Achava-se racional, detentora de sabedoria, mas abandonou o seu coração, deixou de o escutar. Então, um dia, ele não aguentou mais. Cedeu, chorou, explodiu. Doeu muito e ela teve de parar, olhar para dentro de si mesma, da sua alma e curar essas feridas.


Quando ela abriu a porta do seu coração, viu lá uma criança.
-"Quem és tu?"
-"Quem sou eu?! É possível que não te lembres de mim?! Até tu me abandonaste?!? Eu sou TU!!"
A mulher estava atónita ao olhar para a menina, tão frágil e tão triste. Então lembrou de que há muito tempo atrás também foi uma criança. Mas quase não tinha memórias da sua infância.
-"Não bastava tudo o que me fizeram, até tu me abandonas... tu..." - a menina chorava, estava magoada.
-"Mas eu não me lembro de ti..."
A menina pegou na mão da mulher e conduziu-a numa retrospetiva pela sua vida e pela sua infância. Aí reviveu todos os traumas, violências, feridas e abusos que lhe inflingiram. As memórias estavam a vir à tona, com a mesma dor como na altura em que aconteceram. Estavam profundamente recalcadas. Percebeu que o seu coração tinha efetivamente pedido para ela enfrentar os seus demónios e ver a verdade.
A mulher olhou para a menina e chorou. Sentiu pena e arrependimento por ter escondido a sua criança interior.
Olhando para ela, pegou na sua mão e deu-lhe um derradeiro abraço, afagando os seus cabelos.
-" Não estás mais sozinha. Eu estou aqui. És parte de mim. Tu pertences. Tudo isto é passado e eu estou cá para te ajudar a curar essas feridas."
Seu coração ficou mais leve. Sua alma mais serena e a sua criança interior mais feliz.


Gratidão 

A Grande Viagem

Aproximava-se o final da tarde. Naquele dia quente de Outono eu caminhava descalça na terra, pisando as folhas mortas. Gostava do som e da sensação proporcionadas, fazia-me sentir parte da natureza.

Ao longe, as árvores de mil cores dançavam ao vento. Como era lindo aquele cenário. Descendo o trilho via-se o mar no horizonte. O dourado do Sol beijava o enorme mar azul. Dava a ilusão que o fogo e a água se harmonizavam.

Lá em baixo, no humilde cais, estava um pequeno barco. Sabia que era para mim. Desejava embarcar numa viagem até ao horizonte e lá encontrar o meu pote de ouro. Se era feliz onde estava? Era pois. Mas já tudo era conhecido, familiar. O meu espírito rebelde, de cabelos loiros aos vento ansiava por correr e conhecer. Ansiava por aprender. Seu ímpeto era semelhante a uma sensação de fome que vem das profundezas no nosso ser. Perguntei a mim mesma se devia ouvir essa fome, esse chamado. Sabia que tinha medo de deixar os meus campos verdejantes, as minhas árvores coloridas, mas ao olhar para o horizonte eu soube que devia arriscar.

Assim embarquei na minha grande viagem rumo ao desconhecido. Não levava nada comigo, apenas a esperança e o espírito de aventura. Afinal isso era o mais importante. Ao longe via a minha colina a afastar-se cada vez mais. Uma réstia de saudade banhou o meu coração. Conseguia ver o Sol a beijar as minhas árvores. Aquela imagem iria permanecer sempre comigo. Aquele seria sempre o meu lugar, mesmo que nunca mais lá voltasse.

O dia ia dando lugar à noite. Com ela veio a luz da Lua Cheia a banhar a imensidão noturna. -"Até a escuridão é bonita" - pensei eu para os meus botões. Contemplei longamente aquela Lua e o seu reflexo na água tranquila. Percebi que eu também era como aquele espaço, escuro e profundo, mas lindo quando iluminado. Eu era a luz dos meus dias soalheiros de Outono mas também era a escuridão iluminada das noites de Lua Cheia. -"Eis o meu lado sombra". Assim decido abraçá-lo e adormeci no profundo silêncio da noite.

Acordei com água a bater no meu rosto. O dia já tinha clareado, mas já não se via o lindo Sol de Outono. O céu estava cinzento e tinha começado a chover. Estava frio e eu não tinha forma de me agasalhar. Parecia que o Inverno se tinha instalado. O mar calmo e azul dera lugar à agitação cinzenta. Ondas revoltas se levantavam e com elas o meu medo crescia. Não sabia nadar sequer. Não se via nada à volta, só água. Já não conseguia voltar para trás, para o meu porto seguro. Teria de enfrentar esta tempestade. Não conseguia ver o horizonte que tanto almejava, estava completamente tomada pelo medo. Baixei a cabeça, fechei os olhos, tentando dizer a mim mesma que aquilo era irreal, um pesadelo e que em breve iria acordar.

Mas a realidade bate de frente connosco e obriga-nos a enfrentar os nossos demónios. Com uma onda mais alta, o barco acabou por virar. Sem que percebesse como, já estava mergulhada na água. Tentei alcançar o barco, mas estava demasiado longe. -"Eu vou morrer!" - pensei. Tentei chegar ao barco, debati-me ao máximo, mas a ondulação era muito forte. Acabei por perder as forças e não consegui alcançar mais a superfície. Iria juntar-me à escuridão que vira na noite passada, às profundezas da Terra. Naquele momento deixei de ter medo pois era inevitável. Junto com a inevitabilidade da morte veio a aceitação e a entrega. Doava a minha alma às profundezas do oceano. Eu e a escuridão éramos uma só, não havia separação. Eu era tudo e não era nada. Era o universo e o ínfimo átomo ao mesmo tempo.

De repente, sem que percebesse como, fui acordada daquele torpor. Algo me conduzia para a luz. Atingindo a superfície, fui projetada de novo para o barco. Sem perceber o que tinha acontecido, vi uma baleia enorme a mergulhar dentro de água. Tinha sido salva pela baleia.

-"Ainda não era a hora. Ainda é possível ir em busca do horizonte" - pensei, grata por aquele momento e por aquela aprendizagem. Ao longe, no céu, o Sol começou a espreitar através das nuvens, como se abençoasse aquele momento, que fora sem dúvida divino.

A noite chegou e com ela a calma se instalou. O luar banhava as águas. Comecei a cantar e naquele silêncio absoluto só se ouvia a minha voz. Sentia novamente aquela pertença à natureza em todas as suas formas. 

Com o meu canto reparei que não estava sozinha. Golfinhos e baleias começaram a acompanhar-me, emitindo sons. Dava a sensação que estavam a escoltar o meu barco. Nunca vira nada assim. Um sentimento de profunda gratidão aqueceu o meu coração por me ter permitido embarcar na viagem e contemplar agora o cenário maravilhoso que se apresentava. Eles acompanharam-me e eu senti-me protegida. A eles entreguei o meu descanso e adormeci.

No dia seguinte, quando acordei, soube de imediato que estava em terra. Levantei-me e vi que tinha atracado numa praia de areia branca. O Sol aquecia mas não estava demasiado quente. Ao longe via-se vegetação e campos floridos. Parecia que tinha chegado a Primavera.

Era um lugar maravilhoso. A natureza rejubilava de vida. Os pássaros cantavam, o aroma das flores inebriava o ambiente. Pequenos coelhinhos saltavam das suas tocas. Tão bonito e ao mesmo tempo tão diferente de tudo o que conhecia. Fiquei encantada com aquele lugar, pelo que decidi lá permanecer mais tempo. Cada dia era uma descoberta e um novo encantamento. Vi cascatas, praias de areia fina, montanhas repletas de vida, campos verdejantes e floridos. Tudo era maravilhoso e eu sentia-me bem naquele lugar.

Os dias começaram a aquecer, assemelhando-se ao Verão. Aprendi finalmente a nadar, pelo que tomava abundantes banhos de mar. Já não tinha medo, tudo era perfeito e eu sentia-me plena.

Num desses dias quentes de Verão encontrei algo que se assemelhava a um pomar. Era riquíssimo, com imensas árvores de fruto. As frutas eram doces e suculentas. Foi nesse mesmo pomar que a vi. Aquela árvore frondosa, cheia de vida, com os seus frutos vermelhos e amarelos, ocupava o centro daquele cenário. Ao provar o seu fruto fiquei deliciada. Nunca tinha provado nada assim. Para mim era o néctar dos Deuses. Soube ali, ao olhar para aquela árvore, que tinha encontrado o meu pote de ouro. Ela era o horizonte que perseguia naquela viagem.

Engraçado que olhava para ela e conseguia rever-me, identificar-me com a sua natureza, como se eu fosse a sua versão humana. Toquei-lhe, senti a sua temperatura, a força do seu tronco e abracei-a. Senti-me una com ela, éramos a mesma árvore, feitas da mesma fibra, feitas da mesma vida. 

Ao contemplar a árvores, pisei com os meus pés nus nas suas folhas secas. De imediato fui transportada para as memórias do meu porto seguro, das minhas árvores, da minha montanha, dos meus trilhos, do meu lugar. Tinha saudades de casa.

Ali, abateu-se sobre mim alguma tristeza. Agora que tinha encontrado a minha árvore, a minha alma, também desejava regressar. Encostei-me à árvore a pensar, mas não havia forma de ter o melhor dos dois mundos. Acabei por adormecer com as lágrimas nos olhos.

Nessa noite tive um sonho que parecia extremamente real. Sonhara que estava no meu lugar e que lá estava a minha árvore também. Como tinha sido lindo esse sonho e como me sentira completa com ele. No dia seguinte quando acordei, ao perceber que era só um sonho, fiquei novamente triste mas já estava resignada.

Ao levantar-me, algo caíu do meu colo. Um galho grande, repleto de flores e frutos dessa mesma árvore tinha ido ali parar como que por magia. Assim compreendi como a natureza pode ser mágica e como o universo conspira a nosso favor quando assim o desejamos. Com aquele galho, poderia voltar e plantar aquela árvore junto às restantes que eu amava. Tudo ficaria completo e eu regressaria a casa. 

Assim fiz. Agradeci à natureza e abracei intensamente a minha árvore com um sentimento de gratidão e amor profundos. Embarquei na minha viagem de regresso. Era uma pessoa completamente diferente. Como tinha sido boa aquela viagem, como eu tinha aprendido a crescido com ela! Aproximei-me do meu porto seguro num final de tarde. O Sol banhava as minhas árvores coloridas. As lágrimas escorriam pela minha cara e num sentimento imenso de felicidade gritei: -"Eu voltei!!!"

Ao atracar percebi que tinha regressado novamente aos dias quentes de Outono. Os meus pés voltaram a pisar as folhas secas. Estava em casa.

Passados três Outonos, a minha árvore tinha crescido repleta de esplendor junto às outras, tal e qual como no meu sonho. Sentia-me completa, inserida nesta natureza. Ao mesmo tempo estava plena pois tinha encontrado a minha alma gémea e juntos geramos um filho, um fruto maravilhoso. À semelhança da minha árvore eu era fonte de fertilidade e o meu filho também era um doce. Do cimo da montanha contemplamos os três o pôr-do-sol a beijar o mar. Lá em baixo repousava o meu pequeno barco, meu companheiro de aventura. Ao ver o meu filho brincar com os meus cabelos, percebi que um dia também ele iria embarcar na sua aventura de autodescoberta. Que ela seja tão rica ou mais do que a minha.


Assim foi a viagem, assim é a vida. Todos temos um propósito e viver os nossos sonhos não constitui um erro, mas sim uma benção. O nosso coração sabe o que quer. No nosso caminho encontramos certamente oposições e dificuldades. Encaramos com a nossa faceta sombria até que sejamos capazes de a aceitar e integrar na nossa luz e consciência. Os sonhos existem para serem realizados. Eles são o combustível da nossa alma.

Nunca ninguém disse que a vida era fácil, apenas que valia a pena ser vivida :)


Grata :)

Florescer

Ela era diferente. Vermelha, encolhida e repleta de espinhos. O mais incrível é que era a única com estas características. A Rosa estava sozinha no meio de um mar de Margaridas.

Naquele pano branco ela sentia-se como uma gota de sangue. Era a nódoa no meio da pureza. Sentia que não era merecedora de ali estar, junto das suas irmãs imaculadas.

Estava a afundar-se nesse sentimento profundo de desvalorização por si mesma. E assim permaneceu imóvel, encolhida, sem nunca ter coragem de se abrir e sorrir para o mundo.

Certo dia, sentiu um toque especial a invadi-la. Era como se fosse uma carícia, um calor que nunca sentiu antes.

- "Quem és tu?"

- "Sou o Sol querida Rosa. Tenho-te observado e vejo-te sempre triste... Porque não desabrochas? A minha luz e o meu calor não são carinhosos o suficiente?"

A Rosa ficou espantada. O Sol estava preocupado com ela. Notara a sua tristeza.

- "Para quê Sol? Vim parar aqui a este sítio... Eu vermelha, a desabrochar neste mar branco... Eu não consigo... Sou tão diferente das minhas irmãs..."

- "Claro que és diferente. Elas são especiais, tal como tu também és. Todos temos uma essência Rosa. E a essência de cada um de nós enriquece o mundo. Nós precisamos da tua essência também. Precisamos que desabroches em todo o teu esplendor. Precisamos que sejas tu mesma, que te libertes dessas ideias limitadoras e te entregues ao mundo. Todos vamos beneficiar com isso!"

A Rosa sentia que o Sol poderia ter razão. Mas tinha medo de se entregar e de ser a mácula naquele mundo perfeito.

As suas irmãs começaram a incentivá-la a desabrochar também. Sempre se importaram com ela, mas a Rosa nunca tinha reparado. 

- "Vá lá Rosa! Mostra-te a nós! Nós gostamos que sejas diferente. És uma lufada de ar fresco!"

O Sol cada vez a acariciava mais com a sua luz e calor. Pela primeira vez sentiu-se amada. Numa derradeira entrega a esse amor, a Rosa desabrochou em toda a sua plenitude. Abriu as suas pétalas vermelhas. Ela tinha a cor da paixão, a cor do amor, esse combustível que faz girar o Mundo. Libertou a sua essência, um perfume tão doce, tão puro e tão profundo que toda a natureza se sentiu grata e emocionada por viver este momento.

O Sol chorou, pedindo às nuvens para beijar as suas pétalas com a sua água cristalina.

- "Obrigada Rosa por seres quem és. O Mundo agora é um lugar melhor."

Ela enriqueceu aquele jardim com a sua essência. Deu vida àquele branco puro que ali residia.

Nunca mais se sentiu inútil e deslocada. Bastava-lha apenas ser ela mesma. Não precisou de fazer mais nada para ter uma vida plena e feliz.

Assim são as flores, assim são as pessoas. Tentar ser alguém que não somos na verdade consiste num processo de auto-destruição. É contrariar a nossa alma e o nosso propósito.

Todos temos uma essência e ela é única. O Mundo precisa de um bocadinho de cada um de nós para ficar completo também.

Sejamos nós próprios. Desabrochemos para o Universo com toda a nossa luz. Sejamos autênticos connosco, fiéis à nossa alma. Ao desabrochar estamos a partilhar o melhor de nós. E essa é uma forma belíssima de amar.

Grata :)

Perdido e encontrado

Esta é a história de um jovem rapaz que era infeliz. Tudo nele transpirava tristeza, o que era estranho, uma vez que ele tinha uma vida que qualquer jovem adulto podia desejar. Era bonito, os seus pais eram ricos. Tinha tudo o que queria, os carros, uma casa, mulheres não lhe faltavam. Além disso, estava prestes a terminar o doutoramento em literatura. Mas nada disso o motivava. Para Pedro, a vida era um autêntico marasmo. Era como se faltasse uma peça do puzzle e ele estivesse sempre incompleto.

Para além disto, as suas noites eram pautadas por pesadelos atrozes, com tudo o que tinha direito. Perseguições, mortes, catástrofes, era só escolher. Chegou a um ponto de ter medo de adormecer. A sua tristeza aumentava diariamente e ninguém conseguia perceber o porquê. Nem ele.

Certa noite, ele sonhou que morria. O caricato é que se via morto como se fosse um espectador. Junto ao seu espírito estava uma senhora muito idosa. Ela disse-lhe que ele precisava de viajar para renascer. "Precisas de te conhecer! Vai em busca do mundo e a verdade virá ter contigo!"

Acordou sobressaltado. Lembrava-se perfeitamente do sonho e de todos os seus pormenores. Aquele sonho abalou-o e pensou durante vários dias sobre o seu significado. À medida que o tempo passava, ele acreditava com mais fulgor que aquela era uma indicação que deveria seguir. 

A ideia começou a ganhar forma e sentido. Pedro começou a pesquisar para onde deveria viajar, o que não era fácil. Não tinha pistas para onde deveria ir e já conhecia vários países, embora fosse jovem.

Acabou por se decidir pelo tipo de viagem que o atraía mais. Planeou uma rota por várias cidades europeias com as quais se identificava. Os países frios sempre o fascinaram. 

A sua primeira paragem foi em Madrid, seguindo para Andorra, Paris e Lyon. Visitou as belas paisagens da Suiça, desde Genebra até à Basileia. Gostava do que via, mas a viagem já ia longa e ainda não tinha tido qualquer vislumbre ligado ao sonho.

A caminho da Alemanha, decidiu parar em Colmar, uma pequena cidade francesa, situada na zona fronteiriça, conhecida pela sua beleza. Ficou estupefacto com as paisagens maravilhosas. Para além disso, teve a sensação estranha de já conhecer os locais, embora ele não se lembrasse de alguma vez lá ter estado.

Alugou uma bicicleta e iniciou um passeio junto ao canal. A cidade era lindíssima. Ele estava encantado. Deu por si a pedalar pelas ruas já sem se lembrar do caminho de regresso, mas nada disso importava, pois estava inebriado pela emoção que sentia.

Entrou numa rua ladeada por casas e por um canal. Aí teve a real sensação de já conhecer aquele local. Abrandou a condução e estudou o cenário. O seu olhar fixou-se numa casa branca com rebordos castanhos. Das janelas caíam canteiros de flores. Deteve o seu olhar na janela mais alta e ficou emocionado. Sabia que tinha vivido ali. O seu coração bateu desenfreadamente. Viu tudo a rodar à sua volta e de repente tudo escureceu.

Viu a sua vida passar a correr num minuto, de trás para a frente, desde adulto até ao momento em que nasceu. Viu-se no útero da sua mãe e viu também a sua alma desencarnada.

De repente surgiram imagens daquela janela, do momento trágico que ali sucedera. Por fim, apareceu ela. O seu amor, a sua deusa, a alma gémea. Viu os seus olhos cristalinos a dizerem-lhe "amo-te" com a alma. 

Acordou com vozes ao seu redor. Percebeu que tinha perdido a consciência no meio da rua. Pelo menos não se tinha magoado. Quem o viu cuidou bem dele.

Pedro estava confuso e esclarecido ao mesmo tempo. Teve a certeza naquele momento que o seu sonho foi um sinal. Sabia que aquele local era importante. Agora o que tudo aquilo significava é que ele ainda não compreendia. E quem era aquela mulher? Apaixonou-se por ela através da sua memória.

Curioso, perguntou a uma das pessoas que o ajudou a quem pertencia aquela casa.

-"Ali não mora ninguém. É uma casa museu."

-"Uma casa museu? Porquê?"

-"Ali viveu um grande escritor francês. As suas histórias eram belíssimas. A casa é muito conhecida, pois ele suicidou-se aqui."

-"Suicidou-se?!?"

-"Sim, enforcou-se junto à janela mais alta. A história é triste, mas bonita. Reza a lenda que o escritor perdeu-se de amores por uma condessa lindíssima. Mas ela era casada com um homem mau e vingativo. Eles planearam fugir, mas o conde descobriu tudo e armou-lhes uma cilada. Apanhou-os a fugir desta mesma casa e ordenou aos seus algozes que o prendessem enquanto assistia à degolação da condessa. Uma verdadeira tristeza. O conde deixou-o viver com o desgosto e ele suicidou-se nessa mesma noite."

Ali estava a verdade. Tudo aquilo que foi dito lhe era familiar. Ele precisava de resolver as pontas soltas desse passado porque tinha a certeza absoluta que tinha sido aquele escritor.

Decidiu ir visitar a casa. A decoração era belíssima, tão acolhedora. Sentia-se muito bem lá dentro. Quando entrou no quarto e olhou para a cama, o seu corpo foi percorrido por imensos calafrios. Em cima de uma mesa estavam expostas várias cartas de amor para Odette, a sua musa. Leu várias cartas e ficou bastante emocionado, pois sentiu a verdade naquele papel e naquelas letras carregadas de sentimento. 

Permitiu-se digerir o momento, olhando tranquilamente para a água a correr no canal. Recuperou e decidiu ir ao último piso. O sótão era soalheiro. Tinha um belo sofá e um piano. Mas estava lá algo muito constrangedor. A corda com a qual se tinha enforcado. Foi duro regressar ali. Naquele momento a realidade era demasiado palpável. Mas agora conseguia compreender o porquê de certas emoções. Faltava algo na sua vida, aquela ponta solta mal resolvida. E faltava ela, o seu grande amor.

Junto à corda, ainda pendurada, estava uma mesa. Ela continha a última carta escrita para Odette.

"27 de Fevereiro de 1825

Minha querida Odette, minha alma gémea, meu amor. Hoje o teu sangue tingiu a neve de escarlate. A tua vida foi tomada por causa do nosso amor. Sei que não te arrependes de ter vivido esse amor comigo. Ambos sabemos que estamos destinados um ao outro. Sabemos que somos almas gémeas, que só se completam quando se unem.

Não me arrependo nem um segundo que seja meu amor, de te ter entregue o meu coração. Eu sei e prometo-te que no futuro nos vamos encontrar novamente. E aí sim, viveremos felizes juntos, como estávamos destinados a viver, hoje.

Agora sem ti nada faz sentido aqui. Não consigo esquecer o vermelho na neve branca. Perdoa-me por não te conseguir salvar. 

Quero ir ter contigo, abraçar-te, aninhar-te no meu peito e assim poder permanecer.


Até já meu grande grande amor.

Victor."


As lágrimas corriam pela face. Sentiu tudo aquilo que leu. Ali, nos confins da França, ele tinha encontrado a sua dor.

Já era noite cerrada quando voltou para o hotel. Tinha planeado seguir viagem no dia seguinte, mas com os novos desenvolvimentos estava fora de questão. Ele precisava de permanecer mais tempo em Colmar. Aquela terra era vital para ele.

Nessa mesma noite decidiu que iria ficar por tempo indeterminado. Dinheiro não lhe faltava e podia trabalhar à distância. Não haveria problema algum.

Em pouco tempo conseguiu arrendar uma casa mesmo em frente ao museu. 

Os meses iam passando e ele cada vez se sentia mais vivo, em casa. Aquele sítio dava-lhe vida, uma força que ele desconhecia até então. Continuava a faltar algo, mas a sensação de plenitude cada vez estava mais próxima.

Certo dia, estava a escrever junto à janela, quando viu uma jovem entrar no museu com um ramo. Algo estranho aconteceu. Quem era ela? Porque lhe chamara tanto a atenção?

Permaneceu alguns minutos pensativo, até que a viu naquela janela alta. 

-"É ela!" Pedro reconheceu-a da sua visão. Os olhos cor de água, o cabelo claro a cair em doces cachos. A sua pele branca como a neve. Era ela, não tinha dúvidas. 

Os seus olhares demoraram-se um no outro, como que hipnotizados. Ela sorriu no final.

Desastrado, saiu à pressa para o museu. Subiu as escadas a correr e encontrou-a sentada, em frente ao piano.

-"Nunca a vi por aqui. Já cá esteve alguma vez?"

-"Eu também nunca o vi por aqui. Venho cá sempre de seis em seis meses."

-"Porquê?"

-"Porque sinto que devo vir. Sinto que devo honrar esta história. Por isso trouxe as flores. Ainda acredito que seja possível existir um amor assim."

-"É possível sim." - Disse ele emocionado. -"Posso saber o seu nome?"

-"Agnes. E o seu?"

-"Pedro. Sou o Pedro e mudei-me para cá desde que conheci a casa museu. Também sou escritor."

-"Existem coincidências engraçadas. O Victor também era escritor."

-"Não há coincidências Agnes. Há o dedo de Deus, ou o destino. O que fazemos com ele já é outra história."

Ao conversar com aquela bela mulher. Pedro sentiu-se completo. Tinha encontrado a peça que faltava. E ela estava encantada. Era um verdadeiro doce, um poço de bondade. Saíram juntos de braço dado para um almoço que seria o primeiro desta vida.

Daí surgiu uma bela história. O Pedro encontrou finalmente a sua plenitude.

Henrique

Certa noite tive um sonho. Foi um sonho deveras perturbador. Já o vivenciei há meses, mas ele não me sai da cabeça. Não é a primeira vez que me recordo de sonhos em que estou a fugir da guerra. Este foi um desses sonhos.

Lembro-me que vivia numa pequena aldeia, calma, bonita. As casas ficavam nas encostas de pequenas colinas floridas. Era um local lindo.

A minha casa era grande, bonita. Tudo corria bem, mas de repente surgiu o alarme de que íamos ser invadidos e que os invasores iam matar toda a gente. Lembro-me de ter escurecido e da sensação de pânico que me assolou. Entrei em casa e vi tudo vazio. O meu marido já tinha colocado no carro os nossos bens essenciais. Íamos fugir. Numa das divisões da casa tinha uma série de malas feitas. Não levamos nenhuma connosco.

Saio de casa e vejo a pressa e o desespero nos olhos do meu marido. Perguntei-lhe onde estava o nosso menino e ele disse-me que não o tinha trazido. A correr fui até casa e lá estava o meu bebé, em cima da cama. Tão pequenino e frágil, tão lindo. E sei que se chamava Henrique.

Eu não sou mãe. Não conheço o amor de uma mãe por um filho. Mas o sentimento que tive naquele momento ao pegar no meu filho foi muito forte. Foi como se nada mais importasse. Ele só teria de ficar bem.

Saí de casa a correr com ele nos meu braços. Tinha a sensação iminente que não íamos escapar. Entrei no carro e iniciamos viagem. O meu filho ia no meu colo. A última coisa de que me lembro foi de nos embrenharmos numa floresta. Sentia que íamos sofrer uma emboscada. Ao longe comecei a ver imagens semelhante a fogo, mas já não podíamos voltar atrás. Acordei com a memória de me dobrar sobre o meu filho para o proteger.

Este sonho permanece na minha memória. Nunca pensei no nome Henrique para dar a um filho. Aquilo que se passou no sonho assumiu contornos extremamente reais. Ainda hoje tento encontrar respostas para o que senti.

Eu creio que os sonhos são manifestações importantíssimas do nosso inconsciente. Passamos muito tempo a sonhar. É óbvio que eles assumem grande importância nas nossas vidas. Essa importância é na maior parte das vezes ignorada, mas creio que nos conheceríamos melhor se prestássemos mais atenção ao que nos acontece durante a noite.

Pense nos seus sonhos, tente perceber o que eles lhe querem dizer. Creio que transportam mensagens com eles.

Grata :)

Deserto de Felicidade

Acordei num sonho profundo. No meu sonho estava um dia lindo de sol e tinha acordado num vale repleto de erva fresca verde. Parecia um dia de Primavera. Muitas flores polvilhavam a terra e ouvia-se o chilrear de pássaros à volta.

Uma sensação de liberdade apoderou-se de mim. Tive vontade de rolar nos campos, de correr e de cantar. Num certo momento reparei que no alto de uma pequena montanha, estava uma elevação semelhante a um poço.

Curiosa, corri até ao local. Ao chegar lá percebi que não conseguia espreitar para dentro da construção, era muito alta para mim. Tentei pendurar-me e espreitar, mas em vão. Num derradeiro esforço consegui pendurar-me e espreitar para dentro do poço. Mas o impulso foi tão forte que caí para dentro dele.

O poço era negro e fundo e o tombo foi grande, mas não me magoei. Estava na mais profunda escuridão, vendo só o buraco de luz lá em cima, bem longe. Procurei uma forma de subir e não a encontrei. Gritei a pedir ajuda, mas ninguém apareceu em meu socorro.

Permaneci algum tempo isolada no fundo do poço. Primeiro surgiu o pânico de não conseguir sair. Depois veio a aceitação. Até que por fim adormeci.

Quando acordei percebi que não estava sozinha. Junto a mim estava uma coruja que me piscava os olhos. Ela olhava para mim com um olhar de sabedoria. Existia nela algo de evoluído e mágico. Percebi que ela estava ali para me ajudar. Eu só tinha de ler os sinais.

Fiquei algum tempo a tentar, sem sucesso novamente, procurar uma solução para sair do poço. Percebi a determinada altura, que a coruja ficou indiferente a toda a situação e se colocou de costas para mim. Aquilo chamou-me a atenção. Fixei o olhar no foco da coruja e reparei que uma das pedras da parede do poço estava mais saliente. Pressionei a pedra com toda a força. Esta moveu-se, abrindo-se mesmo ao lado uma pequena porta secreta. A coruja piscou-me os olhos e ambas seguimos pelo compartimento secreto, até que desembocamos numa gruta de grandes dimensões. 

A gruta era linda. Tinha uma cascata de água azul brilhante, que iluminava todo o espaço. Ao lado estava uma clareira e no seu centro encontrava-se um elefante.

Era a criatura mais bela que eu já vira. A sua cabeça estava cravejada de pedras preciosas. Aproximei-me dele e vi o seu olhar sábio e benevolente. Para meu espanto, o elefante falou comigo.

-"Olá! Há muito tempo que te aguardo!"

Fiquei estupefacta, incrédula a olhar para aquele ser. Não consegui articular uma palavra.

-"Há coisas que não se explicam... E tudo é possível! Estás pronta para a nossa viagem?"

Viagem? Que viagem seria essa da qual eu não estava informada?

-"Viagem?"

-"Sim, tens uma viagem para fazer comigo. A recompensa é a descoberta do maior tesouro que poderias ter."

Eu já não estava a entender nada daquela conversa. Cada vez estava mais confusa.

-"Tesouro? Como assim?"

-"Tens a aventura da vida para viver. Vem comigo e verás. Não te vais arrepender."

A verdade é que o elefante era a minha única saída. Não teria outra hipótese senão iniciar essa viagem com ele. E também não tinha nada a perder.

O elefante baixou-se e eu trepei para cima dele. Saímos por uma passagem obscura na pedra. Vimos a luz do dia do topo de uma montanha. Era uma visão arrebatadora, com os picos das serras cobertos de neve.

A coruja acompanhava-nos na viagem, pousando no meu ombro. À medida que o tempo passava, eu me afeiçoava mais a ela. 

O caminho a percorrer tornava-se cada vez mais difícil. Passamos por trilhos em desfiladeiros e em florestas obscuras. Várias vezes tive a sensação de ter cometido um sério erro ao ter iniciado a viagem. O elefante tentava tranquilizar-me, dizendo para tentar aproveitar a viagem e para não pensar que alguma coisa iria correr mal.

Viajávamos à vários dias e sempre nos alimentamos com facilidade. Os recursos que a natureza nos dava eram abundantes.

A partir de um determinado momento, foi notória a mudança ambiental para uma natureza mais árida. As montanhas tinham sido substituídas por planícies, onde abundavam searas. Estava mais calor. A comida e a água ameaçavam escassear. 

À medida que avançávamos, as condições ambientais se tornaram mais exigentes. Comecei a ficar realmente preocupada, pelo que questionei o elefante várias vezes sobre o caminho que estávamos a percorrer.

-"Já viste como estamos? Não temos água nem comida! Queres matar-nos, é isso?!"

-"Nunca te disse que ia ser fácil... Só te disse que ia valer a pena!"

A tranquilidade do elefante começava a irritar-me. Ele parecia passar incólume por todo o esforço. Parecia manter a mesma força, mesmo com fome e sede.

Ao contrário dele, a coruja estava cada vez mais frágil. O calor, a fome e a sede estavam a destruí-la. Eu assistia àquele cenário em desespero, pois não a conseguia ajudar.

Sem que me apercebesse completamente disso, a planície árida foi substituída por um deserto. Quando nos apercebemos, já só víamos areia à nossa frente. Sem água e sem comida, cada vez estávamos mais fracas. O elefante mantinha-se forte, mas eu e a coruja já quase não tínhamos força para continuar.

Num determinado momento, vimos ao longe o que parecia ser um oásis. A coruja estava com a vida por um fio. Pensei que não fosse sobreviver, mas ao ver o oásis, com aquela água, o meu coração encheu-se de esperança. Pedi ao elefante para correr até lá. Assim foi. Ele era um pouco mais distante do que realmente aparentava, mas acabamos por chegar.

Lá a água era fresca e foi um regalo para os olhos. Desci do elefante com a coruja nos meus braços e tentei dar-lhe de beber.

-"Bebe coruja, finalmente encontramos água. Estás salva!"

Mas ela não bebia. Estava moribunda.

Em pânico, tentei obrigá-la a beber. O elefante afastou-me e disse-me:

-"Não há nada que possas fazer por ela. Deixa-a."

Foi nesse exacto momento que percebi que a minha corujinha já não me acompanhava no mundo físico.

Toda a fome, sede, cansaço, luta, tudo isso desapareceu. Uma dor arrebatadora assolou-me. Senti um desespero que vinha das minhas entranhas e pensei -"Porquê tudo isto?!"

Acabei por adormecer naquele torpor em que me encontrava. Entretanto sonhara que a coruja se encontrava junto a mim, como sempre. O nosso amor cada vez era maior. Ela começou a aproximar-se do meu peito e lentamente entrou no meu coração, até desaparecer totalmente, restando a certeza de que ela me acompanhava sempre, porque fazia parte de mim.

Quando despertei do sonho ainda era noite no deserto. A Lua iluminava o céu cravejado de estrelas. Percebi que o meu sonho fora um sinal. A coruja vivia dentro de mim também. 


Ao contemplar a noite no deserto, senti uma paz e conexão profundas com tudo o que me envolvia. Senti que fazia parte daquele ambiente e que ele também fazia parte de mim. Senti que eu era o ar que respirava, senti que era a areia que repousava por baixo dos meus pés. Senti que era todo o Universo. Que fazia parte e que não havia divisões.

Esse sentimento profundo trouxe consigo a simplicidade e clareza em relação à vida. Deitada na areia, senti que era um ser completo e maravilhoso. Senti que era tudo e que tudo fazia parte de mim.

-"Estás preparada. Agora compreendes. O teu espírito está pronto." - Disse o elefante. - "Vamos prosseguir viagem".

Assenti. O diálogo não se desenvolveu mais. Eu sabia que ele tinha razão.

Caminhamos mais algumas horas. O dia começou a despontar, o sol a nascer. Com o nascer do sol, comecei a discernir no horizonte a proximidade do mar. Estávamos próximos da costa. Seguimos na direcção do mar, até chegar a uma pequena vila costeira, solarenga e rica em recursos como a água e a agricultura. As pessoas curvavam-se perante a nossa passagem. Aparentemente conheciam o elefante. O olhar de admiração resplandecia os seus rostos.

Paramos numa casa junto ao mar. Nunca tinha estado naquele lugar, mas sabia que aquele local era importante, familiar.

A casa era rodeada por um muro e jardim. Ao entrar no portão soube de imediato que tinha chegado a casa, ao meu lar. Percebi que a minha vida e missão iriam ser cumpridas ali.

-"Estou em casa" - disse para o elefante.

-"Estás. Este é o teu lar. Tens uma missão a cumprir nesta terra e com este povo."

-"Mas qual é?" - perguntei.

-"Vais saber qual é. Escuta o teu coração, tal como fizeste no deserto. Ele dar-te-à todas as respostas."

Dito isto, olhou-me profundamente nos olhos e com a sua tromba, removeu um dos seus cristais azuis e colocou-o na minha mão. Ia embora.

-"Vais deixar-me aqui?"

-"Eu nunca te deixarei. Escuta o teu coração. Estarei lá contigo."

Uma música suave e cintilante surgiu com suavidade. O elefante foi envolvido num rodopiar de pétalas azuis, tendo desaparecido em direcção ao horizonte.

Aquele espectáculo arrebatador encheu a minha alma. A partir daquele momento o meu coração ficou mais quente e preenchido. Nele cabia todo o amor do universo.

A menina e a Lua

Era uma vez uma linda menina de quatro anos chamada Ariana. Ela vivia junto ao mar, nos recifes de coral. Seus olhos azul água reflectiam a cor do mar e do céu.

Ariana era um doce. Muito sensível à natureza, tinha o dom de contactar com ela, com os animais e plantas. Era uma delícia vê-la a conversar com o ambiente em redor e era igualmente maravilhoso ver o amor que a natureza retribuía. Junto dela a vida ganhava outra cor.

Certo dia, Ariana saiu de sua casa à noite, às escondidas, dirigindo-se à praia. Ela queria conhecer as formas nocturnas da natureza. Ficou maravilhada quando viu os pirilampos na água. Mas o seu deslumbramento foi total quando viu a Lua Cheia a beijar o mar.

De todas as coisas belas que já vira, esta era a mais especial. Tinha-se apaixonado ali mesmo pela natureza daquele astro que iluminava a noite. Ficou algum tempo parada a observar o espectáculo que a Lua lhe proporcionava.

- "És a coisa mais linda que já vi!" - disse Ariana.

- "Olá Ariana. Eu sou a Lua. És muito bonita também!" - respondeu a Lua.

- "Tu falas?"

- "Sim, consigo comunicar contigo. Tu és especial, tens o dom de entender a natureza. Tenho-te observado desde à bastante tempo, tenho-te acompanhado nos teus sonhos, guiado os teus passos."

- "Mas eu nunca te vi Lua..."

- "Só agora me quis mostrar para ti. Gosto muito de ti Ariana."

A menina não tinha palavras. Admirava a Lua em todo o seu esplendor. De imediato teve um desejo, comum a todas as crianças quando conhecem algo belo.

- "Desce cá abaixo, vem viver comigo! Podias ser só minha! Iluminavas o meu quatro à noite, ajudavas-me a adormecer... Serias a minha melhor amiga! Queres?"

A Lua, ao contrário de Ariana, não era uma criança. Era uma anciã, contava com milénios de existência. Com os seus olhos sábios viu que o desejo da menina era verdadeiro, genuíno. Mas não podia fazer o que ela pedia.

- "Ariana eu gosto de te iluminar. Como te disse, és especial. Mas eu não te posso iluminar só a ti. Sou como o Sol, ilumino a noite, toda a sua natureza, todos os seres durante os seus sonhos. Iria ficar tudo abandonado."

A menina ficou com os olhos em lágrimas. Nunca tinha ouvido a palavra "não". Julgava até àquele momento que bastava pedir e tudo lhe seria concedido. Nunca pensara nas consequências dos seus desejos.

- "Não queres ficar comigo?" - perguntou Ariana a chorar. Estava magoada.

- "Estou sempre contigo. Mas tenho de estar presente para toda a Terra. Essa é a minha função."

Agora Ariana soluçava. Não compreendia porque a Lua não queria ficar com ela. A Lua era tão linda e perfeita que não a queria dividir com ninguém. Já tinha sobre ela uma sensação de posse e apego.

- "Ariana, eu faço parte da natureza, tal como o mar, os animais, as plantas. Não posso ser de ninguém e ao mesmo tempo sou de todos. Olha para o meu reflexo na água. Vou mostrar-te o que iria acontecer se eu ficasse só contigo.

Uma imagem começou a materializar-se na água. Aí Ariana viu como o seu pedido se desenrolaria se fosse aceite.

Via-se a Lua a descer até à menina, a ficar pequenina , do tamanho da palma da sua mão, para a acompanhar para todo o lado. De imediato, uma escuridão enorme se instalou durante a noite. Não se via nada. Animais e plantas começaram a morrer de tristeza e saudade. Chamavam pela Lua, mas ela não ouvia. Precisavam do seu brilho, mas ela não estava lá. Mesmo assim, a Lua permaneceu com Ariana, todas as noites junto dela. Mas a Lua já não era a mesma. Ia ficando cada vez mais pequena, mais triste. Até que um dia se reduziu a um pequeno ponto de luz e desapareceu.

Ariana ficou horrorizada com a sua visão e percebeu que a Lua não podia ser só dela. Acima de tudo queria o seu bem e o de toda a natureza, que ela tanto amava.

- "Agora percebes Ariana. Há coisas que simplesmente não se podem ter. Apenas existem e isso basta. Tenho a mesma beleza das flores. Elas são lindas e perfumam a Terra. Mas só as podes observar. Se as colhes para ti, elas murcham e morrem."

- "Percebo que não podes ficar só comigo. Mas a partir deste dia serás sempre especial, serás a minha amiga. Será que te posso ver todas as noites?"

- "Claro que sim. Estarei sempre aqui para ti, para te iluminar, mesmo quando o mundo parecer um lugar sombrio."

A partir daquela noite, a Lua visitava sempre Ariana a partir do céu. A menina abria a janela do seu quarto e ela banhava-a com a sua luz. Ficavam horas a conversar. Ali desenvolveu-se uma grande amizade que se prolongou por toda a vida da bela menina. Quando ela partiu, já muito velhinha, conseguiu cumprir o sonho de beijar a Lua. Tornou-se numa bela estrela e ao lado da Lua, iluminava com ela todas as noites da natureza.

O Caminho Branco

Certo dia tive um sonho. Não consigo definir se era realmente um sonho ou uma adição de pensamentos ao sonho. No entanto algo muito rico e belo se passou, pelo que eu vou contar. O meu desejo é que a vossa alma fique cheia como a minha.

O meu sonho inicia-se quando estou sozinha numa terra longínqua, onde a neve e o cenário branco reinavam. Estava num caminho, uma pequena estrada. Lá caíam pequenos flocos de neve e o ambiente estava um pouco enevoado, mas não estava frio. Eu usava um longo vestido branco, justo até à cintura, que alargava daí para baixo, formando uma cauda. Ele era de um branco cintilante, muito idêntico aos flocos de neve que se formaram naquele dia. O meu cabelo estava solto, com um tom loiro muito belo. Nos meus pés tinha calçado umas pantufas brancas muito macias. Parecia que flutuava na neve. Aquele ambiente era muito familiar, no entanto eu não sabia onde estava. Apenas sabia que estava sozinha e que tinha de percorrer aquele trilho. 

O que de facto eu desconhecia era que aquele caminho estava repleto de magia. A minha alma tinha de o percorrer para evoluir, mas desconhecia o misticismo que envolvia aquela natureza, tal como desconhecia a minha magia e força interior.

Comecei a percorrer o caminho. Sentia a neve macia por baixo das minhas pantufas. Os flocos caíam e embora nevasse a natureza não era austera. Existiam pequenas flores em tons rosa e violeta nas árvores do trilho. No fundo, eu sentia-me em casa. Mas ainda não tinha atingido a plenitude. Faltava algo. Sabia que era um ser belo e puro, mas era necessário mais alguma coisa para que revelasse a totalidade da minha essência. À medida que ia caminhando, o trilho ia ficando diferente. Ainda existiam árvores, mas ele começava a alargar e ao redor apareceram campos cobertos de neve. Estes estavam protegidos com cercas.

A certa altura apareceu do lado esquerdo, dentro do campo, um carneiro, todo branco, não era semelhante aos carneiros usuais. O seu branco era celestial e os seus chifres eram enormes e muito retorcidos. O animal fitou o olhar em mim, que era cheio de força e vida, quase como se fosse a manifestação de um impulso. Estava muito próximo da cerca e parecia querer aproximar-se. O seu olhar não era de paz, mas também não era feroz. Tentando definir, posso dizer que era um olhar desafiante. Devolvi o olhar ao carneiro com todo o amor que tinha e prossegui o meu caminho.

Pouco tempo depois, do lado direito do campo apareceu um grande touro. O animal podia perfeitamente passar por cima da cerca e atacar-me. Mas o seu olhar era de um castanho-escuro muito benevolente. Nele só vi tranquilidade e soube que estava segura. O touro sabia que a minha alma era pura e que pertencia àquela natureza. Devolvi o olhar intenso e prossegui viagem.

Deste ponto para a frente, o caminho branco ainda se torna mais atípico. Apareceram entretanto dois homens gémeos, muito próximos um do outro, caminhando num passo acelerado e falando uma língua desconhecida para mim. Esse encontro foi muito fugaz, tive pouco tempo para reflectir nele. Quando reparei, vi junto a mim um caranguejo. Tinha um tamanho médio e também andava rápido. Perguntei a mim própria o que fazia aquele animal ali, tão fora do habitat dele.

Estava eu perdida nestas considerações e pensamentos, quando de repente, do lado esquerdo do campo, aparece um leão sentado, a olhar para mim de forma imponente. Parei a olhar para ele. O seu olhar era como um íman. Reconhecia aquele olhar, fazia parte da minha alma, do meu corpo, dos meus cabelos que eram da mesma cor. Eu descobri que também era aquele leão, ele pertencia-me e eu também lhe pertencia, éramos um só. Olhamo-nos longamente e eu sabia que ele não me iria atacar pois éramos sangue do mesmo sangue. Senti que o leão me transmitiu algo semelhante a uma bênção. Também o abençoei e prossegui o meu caminho.

Ao avançar, passou por mim uma jovem mulher, bela mas simples, com um cântaro de água nas mãos. Baixou o olhar e prosseguiu caminho. Também me deparei com uma bela mulher, com vestes do oriente. O seu olhar era sábio e na mão direita segurava uma balança. Era uma mulher engenhosa e profunda, caminhando sem esforço e com elegância. Os pratos da balança estiveram sempre equilibrados durante a caminhada. Era uma mulher sensual. Emanava tanta sensualidade que acabei por me distrair a olhar para ela. Quando ia prosseguir o caminho, deparei-me com um escorpião aos meus pés, pronto a atacar-me. Escapei por um triz. Ele fugiu quando se apercebeu que o vi. Fiquei assustada com o escorpião e parei um pouco para recuperar o fôlego. Não me podia distrair assim. Até podia dominar leões e touros, mas a natureza também tinha as suas formas ocultas.

De repente ouço o barulho do trote de um cavalo. Aquilo que vi não era um cavalo, mas sim um centauro, metade cavalo, metade mulher neste caso. Ela pediu que me levantasse. Quando olhei para o seu rosto fiquei estupefacta, era igual ao meu, com a diferença que todo o seu corpo era branco celeste, imaculado e reluzente, incluindo a sua cara e o seu cabelo. Fiquei a perceber que a centaura era mais uma parte da minha alma. Eu também era aquela força. E que força ela tinha. O seu olhar era indomável, da cor do fogo. Trazia o seu arco e flecha às costas. Pediu-me para montar, pois era sua missão ajudar-me no caminho. Assim fiz.

Passamos por um unicórnio dentro do campo à esquerda. Era também branco imaculado, mal se distinguia da neve em redor. Mais adiante, o trilho passava por cima de um rio através de uma ponte. Numa das margens do rio estava um homem nu a passar água de um cântaro para outro. Ao subirmos a ponte percebi como a água era límpida. Pura, bela, como toda a sua natureza envolvente. Era rica e cheia de vida, povoada com peixes que nadavam em todas as direcções. Após passar o rio, o trilho foi-se tornando mais estreito. Os campos eram substituídos por árvores floridas.

Começava a anoitecer e acabamos por chegar a uma encruzilhada. O caminho branco dividia-se em dois. Do lado direito podia-se ver claramente o caminho, repleto de belas árvores frondosas. Do lado esquerdo o caminho era mais sombrio. Avistava-se alguma escuridão e as flores eram substituídas por silvas.

- "Vais ter de escolher um caminho." - Disse a centaura - "Eu vou ter de voltar para o castelo. Se fores pelo caminho da direita podes vir comigo. Mas se escolheres o da esquerda terás de ir sozinha."

- "O caminho da direita vai para o castelo?"

- "Vai. Mas para tu saberes qual o caminho que deves escolher, terás de usar o meu arco e flecha."

- "Como assim?"

- "Fui incumbida de te trazer até aqui para que possas decidir. Vejo que tens dúvidas. Sendo assim, vais usar o meu arco e flecha e vais atirar para o ar. O lado para onde cair a flecha deve corresponder ao caminho que terás de percorrer. Não te preocupes, a flecha é mágica. Ela conhece o teu coração e sabe o que ele pede."

Assim foi, peguei no arco e na flecha, puxei o arco, atirei ao ar e a flecha caiu, bem no meio do trilho à esquerda.

- "Não te vou poder acompanhar por aí..."

- "O que existe naquele caminho? Ele é sombrio... tenho medo..."

- "Ali estão as forças mais obscuras da natureza. Está a anoitecer mas deves percorrer o caminho. O teu coração pede-te isso e não temas. Tens a força do leão e a garra do centauro contigo. Eu acredito em ti."

Dito isto, a centaura correu para o caminho da direita. Olhei-a até a perder de vista. É verdade que tinha medo de entrar no caminho sombrio, mas também sabia que era isso que a minha alma pedia. Já o sabia até antes de usar a flecha. Iniciei o caminho da esquerda. À medida que caminhava este tornava-se mais pequeno, sombrio, escuro. As árvores estavam nuas, só se viam os contornos dos troncos e as silvas. Uma penumbra assustadora pairava no ar. Tentei dizer para mim mesma que não tinha medo, que era necessário percorrer aquele trilho, que após a sombra vem sempre a luz. Mas o medo aumentava a cada passada. Qualquer coisa me assustava, desde o barulho de pássaros e insetos até o do meu próprio coração a bater.

Até que de repente ouvi um ronco. Um enorme ronco, como se viesse das profundezas do universo. Gelei, pensei que fosse desfalecer e morrer. Até que ouvi um novo ronco, desta vez mais próximo. O pânico instalou-se e comecei a correr desenfreadamente. Sentia aquela coisa a correr atrás de mim, o chão estremecia por baixo dos meus pés. - "Devia ser um animal grande." - Pensava eu em pânico.

O trilho cada vez ficava mais curto e os roncos cada vez mais próximos. A coisa perseguia-me, sentia o meu cheiro. Corri o máximo que pude, até que cheguei a uma pequena clareira sem saída e sem possibilidade de me esconder.

Ele apareceu, um enorme urso castanho, de olhar feroz, viu que eu não tinha saída e os seus olhos ficaram vermelhos. Aproximou-se de mim até ficar a um metro de distância e deu um ronco com toda a sua força. Eu estava apavorada, pensei que fosse morrer ali. Mas nada disto fazia sentido. O urso era enorme e feroz, mas eu tinha a força de um leão e de um centauro. Se o leão e o touro não me atacaram, não iria ser este urso que o iria fazer. Enchi-me de coragem, olhei bem no fundo dos olhos dele de gritei bem alto:

- "Não!!! Tu não me vais fazer mal! Eu não vou permitir!!!

O olhar do urso mudou, ficou surpreendido. Já não tinha os olhos vermelhos, agora eram de um castanho muito escuro.

A sua expressão mudou novamente e tornou a dar outro ronco, mas numa escala menor, recuando ligeiramente.

- "Já te disse! Não permito que me faças mal! Não me intimidas! Eu tenho em mim a força dos animais mais fortes e te digo! Não vou permitir que me faças mal!!!"

O urso compreendeu. Deu um gemido, recuando e baixando a cabeça. Já nem olhava para mim, estava constrangido. Fui ter com ele e passei-lhe a mão no rosto.

- "Tu eras a lição que eu tinha de aprender no caminho sombrio. A minha alma já me disse que não há mais nada a fazer aqui. Devo retornar o caminho branco. Quero ir ao castelo, rever a minha centaura. E tu vais levar-me até lá."

O urso percebeu a mensagem. Apoiou-se nas quatro patas e eu subi para cima dele. Saímos do trilho sombrio, que era muito próximo do caminho branco. Voltaram a aparecer os campos cobertos de neve, as árvores e flores cor-de-rosa, os flocos de neve a cair no meu cabelo.

Ao fundo via-se o castelo no topo da montanha. Vi também a centaura ao portão a cantar. Ela estava há minha espera para podermos prosseguir o caminho, independentemente das vicissitudes encontradas. 

Coração de Pedra

Neste lindo mundo onde habitamos existe muita diversidade. Muitas formas vivas povoam a natureza. Esta mesma natureza é também povoada por minerais, pedras e rochas.

No país dos sonhos existia um belo jardim, repleto de árvores frondosas, flores belíssimas e radiosas, dando cor e vida a todo aquele espaço. Essas mesmas flores eram visitadas por várias abelhas, borboletas e pássaros. Um verdadeiro Éden na Terra.

Nesse jardim existia uma grande rocha, junto à fonte dos sonhos. A rocha era grande, imponente. E dentro dessa rocha estava incrustada, à superfície, um mineral azul. Essa pequenina pedra, que vivia anexada à grande rocha, tinha vida. Nascera há muitos anos e nunca conhecera outro mundo ou outro local sem ser aquele em que se encontrava.

Sentia-se infeliz e sem valor. Pensava que não devia valer nada enquanto ser vivo, visto que estava condenada a viver presa a uma rocha. Para além disso, todos os seres vivos acreditavam que a pedra não tinha vida nem sentimentos, mas estavam redondamente enganados.

Certo dia, reparou que mesmo à sua frente, começava a crescer uma planta. Conseguia ver o seu caule a desenvolver-se, as suas folhas a despontar a cada dia que passava.

- "Uau! Tão linda! Vou ter companhia!" - pensava a pedra. No entanto, sentia-se um bocadinho triste por não ter a liberdade que tinham as plantas. Já para não falar dos animais, que podiam viajar para onde quisessem. Sentia-se infeliz e sem valor por isso.

Um dia, enquanto nascia o Sol, uma bela flor despontou daquele caule. Um pequeno botão abriu-se e belas pétalas vermelhas desabrocharam, com a luz resplandecente do Sol a banhar a flor. A pedra ficou maravilhada com todo aquele esplendor. Tanta beleza e magia. A flor era mesmo bela. Tentou falar com ela para ver se a flor a compreendia.

- "Olá flor. És muito bonita!"

A flor escutou aquela vozinha mas não sabia de onde ela vinha.

- "Quem está a falar?"

- "Sou eu, estou aqui na rocha. Sou uma pedra. Consegues ver-me?"

A flor compreendeu quem lhe estava a falar: - "Olá, desculpa, mas não sabia que as pedras tinham vida..."

- "Sim, eu tenho...mas sou infeliz... não presto para nada... estou condenada a ficar aqui para o resto da humanidade, a ver os outros brilhar com a sua beleza..."

- "Mas pedra...Tu és muito bela! Tens um brilho intenso e azul! És muito mais bonita do que possas julgar! Muito mais bonita do que muitas flores ou animais!"

- "Só dizes isso para me consolar..."

- "Não é verdade. És mesmo linda, acredita em mim."

A pedra nunca conhecera ninguém que lhe dissesse que ela era linda. Uma centelha de esperança aqueceu-lhe o coração. Mas rapidamente aquele calor se desvaneceu, quando se lembrou da sua prisão.

- "Posso ser linda como tu dizes, mas estou condenada a ficar aqui para sempre."

- "Tem calma pedra. Tenho a certeza que um dia alguém irá reparar em ti e dar-te o devido valor. Eu posso tentar ajudar... deixa comigo."

- "Mas como vais fazer isso?"

- "Eu estou a pensar e vais ver que, se for bem sucedida, tudo irá correr como queres e mereces. Confia em mim."

- "Está bem... Diz-me só, como te chamas? Eu sei que és uma flor, mas não sei o teu nome."

- "Eu sou a Rosa, e tu?"

- "Eu?! Eu sou só a pedra..." 

Pouco tempo se passou até que a Rosa fosse visitada por um pintassilgo.

- "Olá. Posso sentir o teu perfume?" - perguntou o pássaro.

- "Podes, mas em troca tens de me ajudar."

Aquela era uma situação insólita. Nunca nenhuma flor tinha feito sequer um pedido.

- "Está bem, eu aceito..."

- "Podes sentir o meu perfume, mas primeiro vais fazer o que te vou pedir. Assim que um humano se aproximar daqui, tu vais fazer com que ele olhe para aquela pedra com atenção."

- "Qual pedra?!"

- "Aquela, na rocha, a bela pedra azul."

- "Ah, nunca tinha reparado que ela estava ali... É muito bonita... Mas o que te interessa a ti uma pedra?! Ela não é um ser vivo como nós!"

- "Enganas-te." - Disse a pedra - "eu estou aqui e tenho vida. Mas o meu maior sonho é poder sair e ver o mundo."

O pintassilgo olhava curioso para a pedra. - " Não fazia a mínima ideia de que as pedras tinham vida. Mas já estou a perceber. Eu vou ajudar-te."

- "Já sabes" - disse a Rosa - "só desistes quando o humano prestar atenção à nossa amiga. Combinado?"

- "Combinado." - Disse o pássaro, a bater as asas.

Decorreu algum tempo até que passasse uma pessoa. Mas tal aconteceu. Um homem apareceu no caminho, prestando atenção especial às flores.

Assim que o viu, o pintassilgo iniciou a sua encenação. Voou várias vezes, chilreando em torno do homem.

- "Olá! Tu és muito bonito! E simpatizaste comigo!"

O pássaro continuava a chilrear intensamente, tentando conduzir o homem até à rocha.

- "Sabes, procuro um presente para a minha mulher. Ela é muito especial. Serás tu o meu presente?" - perguntava o homem, apreciando o espectáculo que o pássaro lhe proporcionava.

Percebendo a intenção do homem, começou a rodar em círculos perto da rocha.

- "Hummm.. Talvez não sejas tu o presente ideal...mas esta bela rosa... ela ia adorar!"

O pânico instalou-se nos seres vivos que escutavam aquilo, principalmente a flor em questão. Cortar a rosa equivalia a matá-la.

O pintassilgo, vendo que tudo podia correr mal, interpôs-se entre o homem e a rosa, elevando o seu canto para um tom estridente. O homem percebeu que o pássaro não queria que ele arrancasse a flor.

- "Pronto, está bem... Mas tens alguma sugestão melhor?! Ajuda-me então!"

Era a oportunidade de ouro e o pintassilgo decidiu aproveitar. Voou directo à pedra e revelou o seu canto estridente de novo.

De início o homem não compreendeu, mas depois ele reparou naquele brilho azul e os seus olhos iluminaram-se.

- "Eu não acredito... tu és mesmo especial amigo!! Mostraste-me o presente ideal!!!"

O homem admirava a beleza da pedra, e esta sentiu algo que nunca tinha sentido, que de facto podia ter valor.

- "Amigo, eu já volto. Vou buscar o que é preciso para tirar daqui esta linda jóia."

O homem afastou-se e aqueles três seres não cabiam em si de contentes.

- "Vês?!" - Disse a Rosa.  - "´És tão linda, um dia alguém ia reparar em ti!"

 - "Obrigada, sem vocês eu nunca teria conseguido. Acham que ele volta?" - Perguntou a pedra com medo.

- "Volta sim" - disse o pintassilgo. - "O brilho no olhar dele não engana."

 - "Nunca me vou esquecer do que vocês fizeram por mim." - Disse a pedra do fundo do seu coração.

- "És linda pedra, estás destinada a que te admirem. Confia em mim." - Voltou a dizer a Rosa.

 - "Confio sim."

Passado algum tempo o homem voltou com algumas ferramentas. Começou a desbastar a rocha em seu redor. A pedra sentiu alguma pressão e desconforto, às vezes alguma dor. Até que algo de estranho aconteceu. Conseguiu sentir o calor da palma da mão do homem! Estava livre!

- "Vamos linda jóia! Vou deixar-te ainda mais bonita para a minha princesa."

Tudo aquilo parecia de facto um lindo sonho. Agora conseguia contemplar a beleza do mundo que a rodeava.

Afastaram-se daquele jardim e aproximaram-se de uma grande casa. O homem entrou e foi directo a um local que se assemelhava a uma oficina.

- "Linda jóia, vou cuidar de ti. Tu vais ser o presente perfeito. Ela vai adorar."

O que se seguiu não foi agradável. A pedra sentia que o homem raspava a sua superfície, até a lapidando um pouco. Aquilo doía. Chegou a pensar que tudo isto podia ter sido uma péssima ideia. até que o homem parou.

Viu que ele foi buscar um objecto. Um belo fio de ouro branco repousava nas suas mãos.

- "Agora vou casar-te com este belo fio."

A pedra foi anexada ao colar. O homem olhava para a sua obra, orgulhoso. - "A Safira vai adorar!"

Colocou o colar numa bela caixa preta de couro, revestida a veludo. - "Para já ficas aqui. Mas em breve verás a alegria dos olhos da minha mulher!"

Passou-se algum tempo. Estava escuro e a pedra estava isolada, mas conseguia ouvir.

Ao longe ouviu a voz do homem e, mais tarde, a bela e suave voz de uma mulher.

- "Tens uma surpresa para mim querido, é isso?"

- "É. Esta é a prenda mais bela. Dedicada completamente a ti."

A pedra foi iluminada pela luz. A mulher tinha aberto a caixa. Ela era um ser humano lindo, seus olhos eram de um azul muito brilhante.

- "Ah... É uma Safira! Como eu!" - disse a mulher, emocionada.

- " Sim Safira, ela é uma Safira como tu. Descobri-a fortuitamente no jardim. Diria que vocês estavam destinadas a pertencerem uma à outra. Gostas?"

- "Oh... É linda!!!" - A mulher tinha as lágrimas nos olhos. - "Ajuda-me a colocar o colar."

A pedra ficara a descobrir que o seu nome era Safira. Igual ao da mulher. Sentia que podia ser especial. Mas não percebia bem o porquê.

- "Querida, já está. Vê como te fica no espelho."

A pedra finalmente viu como era. Viu o seu reflexo no espelho. Nunca imaginara poder ser detentora de tanta beleza. Ela tinha um brilho azul tão intenso e bonito. Para além disso, descobriu porque tinham nomes iguais. A sua cor e a cor dos olhos da mulher era igual. Exactamente igual.

- "Nunca mais o quero tirar. É o mais belo presente que alguma vez recebi."

Daí em diante, a pedra sentiu que cumpria a sua função no mundo. Estava ligada a um ser humano maravilhoso, conheceu o mundo em seu redor e a sua natureza. E para onde quer que fosse, todos admiravam a sua beleza.

- "Que bela Safira tu tens!"

Todos temos um papel a cumprir neste mundo. Todos temos valor. Basta olharmos para dentro do nosso coração e escutar a sua voz. A voz do coração não se engana :)

Grata!

Sol e Lua

Era uma vez dois astros que explodiram de uma eclosão celestial.

Ele era o Sol, radioso, forte e poderoso. A todos dava segurança, força e luz necessárias.

Ela ela a Lua, misteriosa e calma. Despertava a curiosidade e o misticismo de quem para ela olhava.

O Sol tinha curiosidade em conhecer a Lua, mas sempre que ele chegava, ela ia embora. Quando se cansava e ia descansar, ela finalmente aparecia.

O Sol ficava intrigado com estes acontecimentos, mas nunca desistia. Só via a Lua de longe, mas queria mesmo conhecê-la, falar com ela, desvendar os seus mistérios.

Certo dia, a energia cósmica percebeu que o sol merecia uma resposta à sua vontade. Merecia conhecer a Lua após tanto tempo de espera por ela. Assim deu-se o Eclipse.

As forças cósmicas uniram-se e proporcionaram o encontro entre os dois astros. O Sol ficou maravilhado ao ver a Lua iluminada por ele. Ela era bela e a união dos dois desencadeava um espectáculo encantador.

A Lua nunca tinha visto o Sol e a sua luz proporcionou-lhe sensações de conforto que não conhecia.

- "Lua, és tão linda...porque nunca te mostraste para mim?"

- "Tu és luz e eu sou escuridão. Não podemos coexistir no mesmo espaço e ao mesmo tempo, senão perdemos a nossa essência."

- "Tu também podes ser luz. Eu ilumino-te."

- "Tens o teu papel neste mundo, que é dar e iluminar a vida. Eu tenho o meu, que é vigiar a escuridão. Libertá-la dos seus demónios. Somos complementares, mas não nos podemos unir."

O amor percorreu toda a extensão cósmica. Os dois astros eram as duas faces da mesma moeda, mas não podiam coexistir em uníssono, pois toda a essência seria perdida. Para cumprirem o seu destino deviam completar-se, mas longe um do outro.

Assim separaram-se, libertando-se. Todo o amor que tinham um pelo outro foi espalhado pelo universo e este, de tempos a tempos, fazia aparecer o cupido. Esse cupido era o Eclipse.

Se amas alguém. liberta-o. O amor só poderá atingir todo o seu esplendor se for livre. Bem como a essência de cada um.

A parábola do Fogo

Certo dia um menino de 6 anos corria e brincava no bosque. Conhecia o bosque como a palma das suas mãos, no entanto perdeu-se. Percebeu que estava perdido quando se deparou com uma clareira que nunca tinha visto antes.

No centro da clareira estava um tronco de uma árvore cortado e algo brilhava em cima dele com grande intensidade. A criança inicialmente teve medo. Para além de ter percebido que estava perdido, desconhecia o objecto que reluzia mais à frente. No entanto, esse medo foi-se dissipando. Era um brilho tão intenso e claro que o atraía a aproximar-se.

Assim fez. Aproximou-se pouco a pouco e vislumbrou uma bola de cristal reluzente. Nela passavam imagens que ele não conseguia identificar. Decidiu aproximar-se ainda mais e pegar na bola. Ela estava quente. Emanava um calor que lhe aquecia as mãos, que era confortável. Quando prestou mais atenção à bola, começou a ver imagens. Belas línguas de fogo vermelhas. Tão lindas, tão puras. Ficou encantado ao olhar para o fogo que irradiava do cristal.

 

O menino ficou tanto tempo encantado com o espectáculo que nem se apercebeu de um senhor idoso de ar benevolente sentado ao lado dele.

- "Olá meu jovem" - disse o velho homem.

O menino assustou-se, deixando quase tombar a bola.

- "Não tenhas medo. Não te faço mal. Vejo que encontraste um novo brinquedo e que gostas muito dele."

- "Sim... é uma bola de cristal... encontrei-a aqui..."

- "Como te chamas meu menino?"

- "Daniel."

- "E o que vês nessa bola Daniel, que te deixa assim tão encantado?"

Os olhos dele brilharam: -" É fogo senhor... tão lindo..." - passando-lhe a bola para as mãos.

O idoso compartilhou da mesma visão que Daniel. Os seus olhos ficaram ainda mais doces ao reflectir o fogo.

- "Ah sim Daniel, o fogo... o fogo é encantador... uma das maravilhas da natureza meu jovem. Além de ser belo, também aquece, dá energia, permite fazer coisas como cozinhar por exemplo. E é bonito, muito bonito."

- "O fogo é lindo senhor. O fogo é tudo de bom."

Daniel estava mesmo encantado. Já não conseguia desviar o olhar daquela visão.

- "Daniel, é lindo sim. Mas dizer que é tudo de bom não é verdade. quando é em demasia pode ser terrível."

Os olhos do jovem cerraram-se: - "Não acredito! Uma coisa tão bonita não pode fazer mal!

                 - "Oh Daniel... tudo na vida tem um lado bom e um lado mau. Queres ver?" 
 

O idoso colocou a bola nas mãos da criança e afagou-a. De imediato surgiram imagens de incêndios a consumirem aldeias inteiras. De vulcões em erupção, destruindo tudo em redor. Por fim, viu o seu belo bosque a arder.

- "Não!" - disse o menino com os olhos em lágrimas.

O velho colocou Daniel no seu colo, limpando-lhe as lágrimas. As imagens cessaram.

- "Nunca te esqueças meu menino. Aquilo que acontece com o fogo, acontece com tudo na vida!Algo bom tem sempre o seu lado mau. A luz tem sempre sombra! Então se for em demasia é destrutivo. Pode magoar, matar. Por isso, tenta sempre fazer o bem, para ti e para os outros, com equilíbrio. Coloca-te sempre no lugar do outro. Respeita a sua liberdade! E ama! Ama muito. Mas não acorrente ninguém à tua vida. Lembra-te que as línguas de fogo são belas, mas quando se descontrolam, queimam. Assim é com tudo Daniel." - Pousou o menino no chão e indicou-lhe o trilho com o dedo: -"Vai por aquele caminho e chegarás a tua casa."

O menino foi. Já ia a caminho quando se virou para trás e perguntou ao velho: - "E tu, como te chamas?"

O velho voltou-se e disse-lhe: - "Eu sou o eterno. Eu sou o tempo e o espaço. Eu sou a energia universal. Mas se quiseres podes chamar-me Deus. Ou simplesmente Pai."

O velho desapareceu num rodopiar de pétalas de rosa, deixando um aroma a amor no ar.

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora